Flavio R. Cavalcanti - 26 Out. 2014
Notícia geral da capitania de Goiás em 1783 Reconstrução do mais antigo e amplo levantamento sobre a capitania conhecido até o momento, mandado realizar no último quartel do século XVIII — fase de declínio do ciclo do ouro — pelo capitão-general Luís da Cunha Menezes, possivelmente a mando do Conselho Ultramarino. A hipótese (“possivelmente”) depende de um encadeamento muito perfeito de diversos fatores, — haver um navio de partida para envio imediato da ordem de 20 Jul. 1782, a viagem marítima durar apenas 58 dias, encontrar mensageiro pronto para partir da Bahia e percorrer a Estrada Real do Sertão em apenas 66 dias* até Vila Boa, sede do governo da capitania de Goiás, — tudo junto, possibilitando que em 13 Dez. já se registrasse o andamento de sua execução, com apertada margem de 20 dias *[Nota à p. 36. Observar que na “Jornada que fez Luís da Cunha Menezes” (1ª edição, t. 2, p. 71-75; excluída desta 2ª edição) era computada a duração de 44 dias para a viagem da Bahia até Vila Boa].
Daí, a possibilidade de que o levantamento fosse iniciativa de D. Luís da Cunha Menezes. A ordem régia mandava que o 2º vereador da Câmara de cada comarca elaborasse a memória anual “dos novos estabelecimentos, fatos e casos mais notáveis e dignos da história que tiverem sucedido desde a fundação dessa capitania e forem sucedendo (…) e que ao fim de cada ano os apresentará em Câmara, aonde lidos e examinados se farão registrar em um livro destinado para este fim, dando fé todo o corpo de vereadores por escrito serem aqueles fatos e sucessos a verdade”. Tratava-se, portanto, de escrever a história oficial de cada comarca, desde seu estabelecimento inicial, pelo 2º vereador da respectiva Câmara, a ser examinada e confirmada pelos demais. Na comarca de Cuiabá, essa crônica foi concluída pelo 2º vereador e certificada pela Câmara somente 4 anos e meio depois da ordem régia, em 31 Dez. 1786; e o juiz-presidente da Câmara ainda empregou mais 6 meses, até Jun. 1787, a corrigi-la e anotá-la. A “Notícia geral da capitania de Goiás”, pelo contrário, abrange também a geografia — com a descrição das estradas e respectivas pontes, uma estatística bastante detalhada de sua economia etc. — e ficou pronta apenas um ano após a assinatura da ordem em Portugal.
Ao que tudo indica, Luís da Cunha Menezes não a deixou por conta do 2º vereador. Enviou ofícios aos Julgados, — os arraiais mais importantes, dotados de 2 juízes ordinários (de atribuições administrativas e judiciárias), cartórios e oficiais, — com um questionário detalhado indagando tudo o que havia e se passava em suas áreas. Assim obteve os relatórios entitulados “Relações dos julgados da capitania de Goiás”, que compõem a segunda parte da “Notícia geral”. Quanto à primeira parte, — por si só, já bem mais ampla do que mandava o Conselho Ultramarino, — terá sido elaborada em palácio, pelos funcionários da Secretaria de Governo da Capitania, sob a direção imediata do próprio D. Luís da Cunha Menezes. Bertran observa que o presidente da Câmara de Vila Boa, em carta de 1782, alegava debater-se com “sérios problemas de espaço para o Arquivo”, em seu prédio enorme [p. 32]. Poderia, muito bem, tratar-se de mero pretexto para não atender ao capitão-general (governador), numa “resistência passiva”, fenômeno conhecido em administrações estatais. Por outro lado, D. Luís da Cunha Menezes parecia organizar e enriquecer seu próprio arquivo desde o ano anterior, — bem antes, portanto, de a ordem régia ser assinada em Lisboa. Bertran encontrou ordem de Set. 1781 “mandando recolher ao Arquivo da Secretaria de Governo, em Palácio, uma coleção de manuscritos com todas as ordens régias para a capitania”, — muitas das quais, o próprio Arquivo não tinha, — encontrada entre os papéis particulares de um advogado falecido pouco antes. O sumiço e recuperação desses documentos, pouco antes da ordem régia de sistematizar a crônica das comarcas, abre uma rápida janela sobre como ocorriam as disputas na capitania, entre antigos e novos governadores e respectivas redes de interesses, — lembrando que, desde 1777, com a queda do Marquês de Pombal, desenrolava-se em Lisboa a chamada “Viradeira”, quando a velha nobreza tratou de desbancar a burguesia de sua recente ascendência. D. Luís da Cunha Menezes, — governador de 1778 a 1783, — foi justamente o primeiro representante dessa “Viradeira” em Goiás [Em seguida, como governador de Minas Gerais, seria apelidado “Fanfarrão Minésio”, pelos inconfidentes]. Mas, se Bertran procura numa busca de “historicidade” legitimadora da “Viradeira” retrógrada a possível motivação do Conselho Ultramarino para ordenar que cada comarca construísse sua “história”, também não parece nada impossível que a motivação de Luís da Cunha Menezes fosse muito mais prática, — econômica, fiscal, administrativa e até mesmo política, em vista de suas frequentes intervenções por cima da estrutura judiciária da capitania. Como governar, por exemplo, com a Câmara negando-lhe informações? Construção, desmembramento e reconstrução da “Notícia geral”A “Notícia geral da capitania de Goiás” foi localizada por Paulo Bertran exatamente 200 anos depois, em 1983, na Coleção de manuscritos da Imperatriz Tereza Cristina, da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. À primeira vista, pareceu-lhe uma cópia da “Memória estatística da província de Goiás”, de 1812, do padre Luís Antônio da Silva e Souza — não fosse pela data “1783”, num pé de página. Continha o relato dos “Julgados”, aqui reunidos na II parte. Prevendo, ao que parece, a existência de “apensos”, procurou-os e foi encontrar, no local mais lógico, — os papéis do governo Luís da Cunha Menezes, — a “História política”, a “Descrição da capitania”, e a “Breve notícia da comarca”. Aí encontrou, também, o que chama de “documentos finais” da “Notícia geral”, “como os relatos da Ouvidoria, da Real Fazenda, ou registros da Secretaria de Governo e outros, contando as histórias dessas instituições”, — aparentemente excluídos desta 2ª edição [“Foram suprimidos alguns poucos textos que não guardavam relação direta com o conteúdo” (Apresentação. Os editores). Essa exclusão também eliminou a “Jornada que fez Luís da Cunha Menezes”, 1ª ed. (1996), tomo 2, p. 71-75; e a coleção das ordens régias para a capitania]. Mais tarde, encontrou no Arquivo Ultramarino de Lisboa cópias de alguns dos documentos aqui reproduzidos, e alguns inéditos que lhe pareceram “adequar-se ao seu estilo”. Por fim, na Biblioteca Naciona, localizou o livro de registro das memórias da Câmara de Vila Boa de Goiás, com termo de abertura assinado em 1785, — dois anos após a elaboração da “Notícia geral”, — contendo, de início, a ordem régia de 1782; e a “Relação do primeiro descobrimento das minas de Goiás”, assinada pelo 2º vereador em 31 Dez. 1785 (reconhecendo autoria alheia, sem indicar) e aprovada pela Câmara em 1786. Seguem-se folhas deixadas em branco, e a seguir a “Memória estatística da província de Goiás”, do padre Luís Antônio da Silva e Souza (não citado), assinada por um vereador com data de 30 Set. 1812. Ao publicar a 1ª edição, em 1996, Paulo Bertran “corrigiu” a sequência, a seu ver errada, que o encadernador ou bibliotecário da Imperatriz Tereza Cristina tinha dado às folhas e assuntos da “Notícia geral”. Fica a impressão de que, ao transmitir o governo da capitania, em meados de 1783, Luís da Cunha Menezes levou consigo os originais dos relatos recebidos dos Julgados, e Bertran não encontrou indícios de que a Câmara tivesse guardado cópias. «» ª … •’ — “”
Minas Gerais11 Set. 2016 - É instigante deparar esta informação, ainda que sem qualquer menção ao contexto abordado aqui: «No início da década de 1780 as comarcas [de Minas Gerais] tinham começado a catalogar, orgulhosamente, as principais edificações de seus distritos. A história da capital tornou-se o tema do poema épico “Vila Rica”, de Cláudio Manuel da Costa, e objeto de uma longa dissertação repleta de quadros estatísticos, também de sua autoria». A nota 44, inserida ao final da segunda frase, esclarece tratar-se de “Notícia da Capitania de Minas Gerais por Cláudio Manuel da Costa”, IHGB, lata 22, doc. 13 [“A devassa da devassa”. Kenneth Maxwell. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1977, p. 119; Nota 44 à p. 137. Grifos do site]. Estrada Real dos Goyazes
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