À falta do relatório da segunda missão Cruls (1894-1896) — que não teve edição de gala nem reedições posteriores, — este pequeno trecho do relatório de Glaziou lança alguma luz sobre a origem paisagística do lago do Paranoá, embora deixe várias dúvidas.
Enfim, de jornada em jornada, estudando tudo: qualidade do solo, vantagem de
águas, clima, caráter do conjunto da paisagem, etc., cheguei a um
vastíssimo vale banhado pelos rios Torto, Gama,
Vicente Pires, riacho Fundo, Bananal e outros; impressionou-me profundamente
a calma severa e majestosa dêsse vale. Talvez movido pelo mesmo sentimento,
o chefe da Comissão, o Sr. Dr. Cruls, mandou estabelecer aí o acampamento
geral. Ao depois, quase que diàriamente percorri, herborizando cá
e lá, ora uma parte, ora outra, dêsse calmo território e dessas
excursões voltava sempre encantado; cem vêzes as repeti, quase sempre
a pé para facilidade das observações, em todos os sentidos
e sem a menor fadiga, tão benéfica é aí a amenidade
atmosférica.
Explorando depois, com vagar, num raio de uns quarenta quilômetros, nada
vi que fôsse comparável ao tabuleiro do rio
Torto. Nesse sítio, ainda, a extrema suavidade dos acidentes naturais
do terreno não requer trabalho algum preparatório, nenhum para o
arruamento ou delineação dos bulevares, nem para a edificação,
quer numa ou noutra direção.
A tôdas essas riquezas oferecidas ao homem laborioso, nesse centro do
planalto, juntam-se mais os recursos e a vantagem que lhe proporcionarão
ainda abundantes águas piscosas. Entre os dois grandes chapadões
conhecidos na localidade pelos nomes de Gama e Paranoá, existe imensa planície
em parte sujeita a ser coberta pelas águas da estação chuvosa;
outrora era um lago devido à junção
de diferentes cursos de água formando o rio Parnauá;
o excedente desse lago, atravessando uma depressão do chapadão,
acabou, com o carrear dos saibros e mesmo das pedras grossas, por abrir nesse
ponto uma brecha funda, de paredes quase verticais pela qual se precipitam hoje
todas as águas dessas alturas. É fácil compreender que, fechando
essa brecha com uma obra de arte (dique ou tapagem provida de chapeletas e cujo
comprimento não excede de 500 a 600 metros, nem a elevação
de 20 a 25 metros) forçosamente a água tomará ao seu lugar
primitivo e formará um lago navegável
em todos os sentidos, num comprimento de 20 a 25 quilômetros sobre uma largura
de 16 a 18.
Além da utilidade da navegação, a abundância de
peixe, que não é de somenos importância, o cunho de aformoseamento
que essas belas águas correntes haviam de dar à nova capital despertariam
certamente a admiração de todas as nações.
Fonte:
Ferreosfera
Fonte:A
missão Cruls,
no site / livro / CD: Olhares
sobre o Lago Paranoá
Nota dos autores: "Várias
denominações são registradas para o rio Paranoá. Os
bandeirantes paulistas que primeiro visitaram a região do Planalto Central,
no século XVII, chamavam-no em nhengatú (língua falada pelos
bandeirantes, resultante do português caipira, de uso geral no sertão,
e do tupi paulista) de Parnaguá. Em Tupi-Guarani,
Paranoá é o mesmo que Paranaguá,
que quer dizer 'rio largo, rio espraiado'."
A localizar
Os autores não indicam a fonte do "Relato",
que datam "1893". Ernesto
Silva também data "1893", igualmente sem indicação
da fonte.
No entanto, Auguste François Marie Glaziou parece ter participado
apenas da 2ª Missão Cruls (1894-1895),
embora o Relatório Cruls de 1894 (ref.
1ª Missão) tenha incluído — na última hora — uma carta
de Glaziou.