Flavio R. Cavalcanti
A década que antecedeu a posse de Juscelino Kubitschek na presidência da República foi marcada por uma disputa discreta — mineira —, porém firme, pela localização da futura capital nas proximidades de Uberlândia. O triângulo à frente dessa luta era formado por Juscelino Kubitschek, Israel Pinheiro e Lucas Lopes. Compreensivelmente, o tema é desconhecido à maioria das histórias de Brasília, cuja ênfase é estabelecer um panteão de campeões da idéia mudancista, com destaque para os que — afinal — implantaram a cidade no planalto central: JK, Israel Pinheiro, Bernardo Sayão, Niemeyer. Soa quase como se nunca tivessem pensado em outro local para a cidade. Na Constituinte (1946)Uma exceção é o livro recente, da própria Fundação Israel Pinheiro, que restabelece a tentativa de alteração no âmbito da Constituinte de 1946:
Os três não conseguiram, em 1946, senão algumas minúcias na redação da Constituição, de modo que a alteração do local da cidade ainda pudesse ser tentada mais adiante.
Na Comissão de Estudos (1946 a 1948)Promulgada a Constituição de 1946 (18 set.), menos de 2 anos foram suficientes para o governo Dutra criar a Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital (Missão Poli Coelho), estudar o assunto, e encaminhar seu relatório final ao Congresso (21 ago. 1948). Essa rapidez da Comissão de Estudos não significa que não tenha sido feita nova tentativa. Ali dentro, a alteração de local foi proposta mais uma vez — por Lucas Lopes, entre outros — e de novo vencida. No Congresso (1948 a 1953)De volta ao Congresso, a discussão se prolongou por mais 5 anos, e a lei determinando estudos finais só pôde ser sancionada em 5 janeiro de 1953. Foi uma longa pausa — a última, em termos de providências práticas — antes que a mudança da capital tomasse ritmo concreto. Ernesto Silva atribui essa pausa à nova discussão, provocada e sustentada durante 5 anos, por um grupo favorável ao Triângulo Mineiro:
Essa nova proposta de alteração do sítio foi proposta pelo deputado Israel Pinheiro. Na Comissão de Localização (1953 a 1956)Desde a Revolução de 1930, Getúlio Vargas havia dependido bastante da articulação política em Minas Gerais, núcleo do PSD que o traria de volta à Presidência (com o PTB) nos anos 50. Por isso, chama atenção que em 1953 tenha demorado 5 meses (a lei fixava prazo de 2 meses) para criar a Comissão de Localização da Nova Capital. Indicou para presidi-la, afinal, seu chefe do Gabinete Militar, o general goiano Aguinaldo Caiado de Castro — juntamente com os também goianos Jerônimo Coimbra Bueno (construtor de Goiânia), representando a Fundação Brasil Central; e major Mauro Borges Teixeira (filho do interventor que construiu Goiânia), representando o governo de Goiás. Nem precisava tanto. Os militares, independente do estado de origem, tendiam a defender a localização da capital no planalto central, por uma série de razões descritas, de acordo com cada época, como integração nacional, ocupação (defesa) do território, presença mais perto das fronteiras, estratégia, geopolítica etc. A capital no centro do país havia sido, desde longa data, uma bandeira de militares e de setores próximos a eles. Varnhagen, embora servisse ao Império como diplomata, provinha da engenharia militar portuguesa. Engenheiro militar era Lauro Müller, que resgatou da poeira dos arquivos o ofício de Varnhagen, para defender na Constituinte da República (proclamada por militares), sem discursar um minuto, a emenda de mudança da capital. Para conferir e confirmar a localização indicada por Varnhagen, o marechal Floriano Peixoto formou uma comissão, em grande parte, militar (o que salvou os equipamentos da expedição, quando a oligarquia assumiu o controle da República e cortou o pagamento dos cientistas civis). Luís Cruls, que chefiou a missão, embora conhecido principalmente como astrônomo, vinha da engenharia militar belga e por décadas ensinou na Escola Militar do Rio de Janeiro (não por acaso, a 11ª Região Militar [11ª RM], com sede em Brasília, foi oficialmente batizada como Região Tenente-coronel Luís Cruls). Militares como Eduardo Sócrates (Goiás?) e Justo Chermont (Pará) mantiveram o debate incômodo, no Congresso, mesmo nos momentos em que a oligarquia mais abafava e ridicularizava aquele item da Constituição, entre 1900 e 1930. Em todos os foruns das décadas de 1930 e 1940 onde de debateram questões relacionadas IBGE, Conselho Nacional de Geografia, duas Constituintes militares vinham defendendo o local já estudado, escolhido, indicado nos atlas geográficos desde o final do século anterior, e oficializado desde 1922. Visto em retrospecto, as chances de se conseguir alterar a localização, do planalto goiano para outro ponto do território, parecem ter sido bem fracas, àquela altura. Com o suicídio de Vargas (1954), a comissão passou a ser presidida (1954-1956) pelo marechal José Pessoa, que convocou seu antigo auxiliar, o médico pediatra e ex-major Ernesto Silva. Ainda enfrentariam alguns percalços. A subcomissão formada pelo marechal Pessoa em Fev. 1955 para fixar critérios e normas de comparação entre os 5 sítios indicados pelo relatório Belcher era composta por um general e três engenheiros. Um dos engenheiros pediu 2 meses para estudar o assunto; outro considerou necessário pelo menos 1 ano; o terceiro apresentou "um longo arrazoado, prolixo e complicado". Na visão de Ernesto Silva: — "Por motivos que desconhecíamos, aqueles três engenheiros, na realidade, queriam prolongar, por tempo indeterminado, a escolha do sítio" [História de Brasília].
A solução encontrada por Ernesto Silva e o marechal Pessoa foi adicionar à subcomissão mais três engenheiros, favoráveis a uma definição imediata do sítio. Construída assim a maioria, a escolha do sítio castanho — a colina no centro da bacia do Paranoá — pôde ser definida pela Comissão de Localização em 15 Abr.
InfraestruturaO principal argumento em defesa dessa alteração de local referia-se à infraestrutura: o Triângulo Mineiro já dispunha de ligações ferroviárias para Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo — fundamentais para o transporte rápido e econômico de materiais de construção, trabalhadores, combustíveis, alimentos etc., na escala necessária à construção, em poucos anos, de uma cidade com as dimensões necessárias a uma capital do País. A visão da logística envolvida tinha bases práticas. Como primeiro presidente (1942-1946) da Cia. Vale do Rio Doce, criada em plena II Guerra Mundial, o engº Israel Pinheiro enfrentou a tarefa de fazer funcionar uma ferrovia recebida nas piores condições — média de 100 descarrilamentos por mês — para suprimento de minério de ferro aos aliados. E conheciam de perto a experiência de Belo Horizonte. Israel tinha 10 anos — e Belo Horizonte, 9 — quando seu pai, João Pinheiro, assumiu pela segunda vez o governo de Minas Gerais. A cidade só veio a ganhar impulso nos anos 20. Juscelino foi o prefeito (1940-1945) que deu à capital mineira seu segundo grande impulso. Os meandros políticos de uma transferência de capital também podiam ser estranhos ao Rio de Janeiro e à maioria dos Estados, mas não aos mineiros. Construído o essencial de Belo Horizonte ("Cidade de Minas"), em 1897, no último momento a mudança provocou tal reação em Ouro Preto — antiga capital — que a Assembléia estadual teve de se reunir em outra cidade, para poder deliberar sobre o assunto com segurança. Matérias relacionadas
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